A convite da Ubu, o autor de Design para um mundo complexo, Rafael Cardoso, fala sobre o papel do design hoje.
UBU Você afirma em Design para um mundo complexo que “Não é responsabilidade dos designers salvar o mundo, como clamavam as vozes proféticas dos anos 1960 e 1970, até porque a crescente complexidade dos problemas demanda soluções coletivas”. Qual é o papel do designer no mundo hoje? Ainda é possível associar ao design uma dimensão política?
RC A dimensão política do design é inescapável. Diante das crises que assolam o planeta, mesmo não fazer nada é uma atitude política. Quem cala consente, afinal. A questão primordial é qual atitude política adotar. Quando escrevi que ‘não é responsabilidade dos designers salvar o mundo’, referia-me à expectativa exagerada que prevaleceu em certo momento para que o design criasse soluções para problemas que outros campos, notadamente a economia e a política, não conseguiram resolver. Existe um certo messianismo tecnológico que prega que tudo pode ser resolvido por meio de bons projetos e novas invenções. Essa mentalidade é parte do problema. Não há solução mágica. O desafio é se associar aos outros campos de conhecimento para gerar estratégias integradas de transformação. Essa é a verdadeira dimensão política.
UBU Você considera que desde 2012, quando Design para um mundo complexo foi publicado, houve mudanças no modo como nos relacionamos com a internet? Se você escrevesse hoje, o livro tomaria uma direção diferente?
RC Muitas mudanças, claro! Sendo que a internet existe efetivamente há vinte e poucos anos, quatro anos é um tempo imenso. A internet está em constante transformação, e ainda vai levar muitas décadas até que seja possível historiar essas mudanças com qualquer serenidade. À época que escrevia o livro, já era possível antever que seria assim. Por isso mesmo, tentei me ater a questões de natureza histórica e epistemológica. Até porque não sou especialista em informática ou engenharia e, portanto, não seria capaz de contribuir nada em termos de uma análise técnica. Apesar das mudanças ocorridas, acho que a essência do que escrevi continua válida. Assim espero, pelo menos. A configuração do mundo em redes, os princípios da navegação visual… são os fundamentos da relação entre usuários e internet.
UBU No final do seu livro, você discute o ensino do design, recuperando como ele foi introduzido no Brasil, e enxerga com otimismo as mudanças pelas quais a área acadêmica passou desde então. Como as faculdades de design podem preparar os alunos para o mundo complexo em que vivemos? Você acha que elas têm conseguido fazer isso? Em caso negativo, que mudanças na estrutura dos cursos poderiam ser postas em prática?
RC Algumas faculdades estão se esforçando para avançar em direção à maior complexidade. Não posso generalizar, porque são muitas e não conheço todas. Acho que um dos avanços é justamente o de derrubar a ideia monolítica que se fazia do ensino do design. Não existe um único caminho certo para todos. Uma questão crítica é de reconhecer as diferenças e aceitá-las, em vez de tentar impor um modelo normativo. Inclusive, as proposições que coloquei na conclusão do livro são apenas isso: proposições, temas para discussão. Acho essencial que se amplie e aprofunde o debate. Se o livro ajudou a fazer isso, já é alguma coisa.
Ilustrações: Francisco França